Setembro Amarelo

O suicídio no mundo contemporâneo *

O suicídio é a uma das principais causas de morte entre adolescentes e adultos jovens em vários países. Envolve um sofrimento psíquico extremo, percebido como insuportável, em que a morte é vislumbrada como única solução para cessá-lo.

Os processos mentais associados ao suicídio são vivências depressivas intensas, afetos de desespero, ódio, impulsividade e ansiedade.

Um aspecto central do suicídio é uma autoimagem desqualificada, em que o sujeito dirige contra si sua agressividade. A percepção de si e do outro ficam borradas por intensas emoções, o que dificulta um pedido de ajuda.

Há evidências de ligação entre o suicídio e adoecimentos mentais, porém muitos suicídios acontecem impulsivamente. A impulsividade aumenta quando o sujeito experimenta uma sobrecarga de demandas internas e externas em relação aos seus recursos pessoais de enfrentamento caracterizando um momento de crise, um colapso na capacidade de lidar com as exigências da vida.

Os estressores mais frequentemente associados ao suicídio são dificuldades financeiras graves, perdas e rupturas de relacionamento, situações de violência, isolamento ou doenças crônicas. 

A prevenção do suicídio envolve o oferecimento de serviços de saúde mental, como também o fortalecimento das redes comunitárias de pertencimento. 

O processo suicida ocorre muitas vezes silenciosamente sem revelar indicadores externos do que está se passando com o sujeito.

Inicia-se com a contemplação de que seria melhor estar morto, depois podem surgir ideias e planos suicidas.

Caso o sofrimento psíquico se intensifique e não sejam construídas outras saídas, a verbalização de ideias suicidas ou tentativas de suicídio podem ocorrer, marcando o aumento do risco.

O maior indicador de risco de suicídio futuro é a presença de história anterior de tentativa de suicídio.

O maior indicador de risco de suicídio futuro é a presença de história anterior de tentativa de suicídio.

A contemplação da morte, o pensamento e a comunicação suicida e a tentativa de suicídio alertam para a necessidade premente de uma escuta qualificada e profissional que possa ajudar o sujeito a encontrar caminhos que lhe possibilitem uma religação com a vida.

Uma metáfora para a crise suicida é de uma bomba relógio que precisa de um especialista de saúde mental, ou vários, para desarmá-la. 

A formação da imagem de si como um objeto de valor começa a se constituir na infância a partir da relação do bebê com seus cuidadores.

As falhas nesses momentos precoces podem levar a manutenção de fissuras que reabrem frente a situações posteriores da vida que desafiem o sujeito.

Ter uma mãe deprimida ou muito instável, por exemplo, pode dificultar o envolvimento da mesma com seu bebê e levar a criança a formar uma imagem de si como objeto sem valor, o que marca uma vulnerabilidade.

A dificuldade de investir amorosamente na criança também pode se manifestar em situações de violência física, verbal, sexual e negligência.

Aqueles que tiveram o desenvolvimento emocional na infância e adolescência marcado pelo não investimento afetivo de seus cuidadores ou por situações de violência (verbal, física, sexual) tendem a formar uma autoimagem desqualificada, em que vivenciam dificuldade de experimentar amor por si mesmos, sendo mais vulneráveis frente a situações adversas.

Não ter sido investido amorosamente pelos cuidadores na infância ou a perda precoce dos mesmos compromete a capacidade do sujeito de tomar a si mesmo como objeto de amor e marca uma vulnerabilidade.

As experiências atuais de sofrimento reativam experiências semelhantes anteriores na nossa mente. Nesse sentido, quando experimentamos uma situação de perda, outras são novamente vivenciadas.

A imagem que me parece representar bem esse momento é o tempo de ressaca do mar que traz das suas profundezas aquilo que estava encoberto, escondido.

Uma situação de humilhação ou perda no presente reativa o sofrimento de situações anteriores e pode dar luz em parte à sensação que temos quando nos deparamos com uma pessoa em forte processo depressivo, em que a reação parece desproporcional ao evento que a precipitou.

As situações de humilhação e violência podem intensificar vivências depressivas, sentimentos de solidão e desconexão com o outro e ativar um processo suicida em pessoas vulneráveis.

As diversas formas de violência, como bullying, estupro, violência sexual ou verbal (assédio moral), são experimentadas pelo sujeito como experiências traumáticas que o atinge no amor de si, provocando feridas narcísicas com as quais o sujeito tem que lidar.

Nesse sentido, a violência afeta uma questão central no processo suicida que é a autoimagem.

A experiência traumática experimentada como humilhação pode reabrir antigas feridas e aumentar a uma percepção de si como objeto sem valor, podendo disparar manifestações de autoagressão, mutilações e tentativas de suicídio.

A questão da presença de relações de intimidade como aspecto de proteção contra o suicídio é um foco das pesquisas da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2017).

As relações de intimidade nos permitem sentir um suporte para lidar com as situações do cotidiano sejam elas positivas ou negativas, além de serem experimentadas como um investimento amoroso.

A intimidade nos possibilita trocar confidências, conversar sobre nossos sentimentos e aliviar angústias que estamos sentindo e nos traz sentimentos de pertencimento e apoio.

A sociedade contemporânea, individualista e de consumo, em que as pessoas são tratadas como objetos, marca a morte de valores como a solidariedade, a compaixão e da troca e da simpatia mútuas.

O mundo contemporâneo, cada vez mais exigente, em que predominam relações de competição, não oferece refúgio para lidar com o sofrimento, com o empobrecimento das redes de pertencimento, o que exige cada vez mais habilidades cognitivas e emocionais.

O mundo globalizado cada vez mais complexo nos desafia a encontrar caminhos de uma vida possível entre as negociações do desejo e da realidade. Freud (1930), no seu texto sobre o Mal estar na civilização, nos fala que “cada um tem que descobrir a sua forma particular de ser feliz”.

 A aceleração do cotidiano na Sociedade do Desempenho, como propõe Han (2014), em que as pessoas se assolam de atividades, empobrece as redes de solidariedade que poderiam oferecer um espaço de acolhimento e trocas afetivas para lidar com as adversidades da vida.

Os valores da solidariedade são sobrepujados pela competição, em que o não reconhecimento do outro é a lógica, já que é preciso sobrepujá-lo.

Dessa forma, o reconhecimento dos pares fica difícil de ser acessado, o que impede a retribuição narcísica obtida pelo olhar do outro.

Os valores de uma sociedade de consumo nos estimulam a cada vez trabalharmos mais para consumir mais. Dentro dessa sociedade do desempenho, os valores da produtividade estão acima do valor da vida.

As pessoas se entopem de atividades e há pouco espaço para o encontro, para a convivência.

Nessa lógica do desempenho, há pouco espaço para trocas afetivas que nos possibilitam aliviar o impacto das experiências de sofrimento, além da nutrição afetiva que é própria de um encontro.

* Texto de Daniela Yglesias C. Prieto – Psicóloga NPI/CAM/SESA/TJDFT, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica (UnB) e Psicanalista pela Sociedade de Psicanálise de Brasília. Extraído de https://www.tjdft.jus.br/informacoes/programas-projetos-e-acoes/pro-vida/dicas-de-saude/pilulas-de-saude/o-suicidio-no-mundo-contemporaneo

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