Já ouviu falar em perturbações da personalidade? Neste artigo vamos aprofundar este assunto, detalhando o que são estes eventos, como é feito o diagnóstico, quais os tipos de perturbações e o que fazer no caso de apresentar os sintomas.
O que é a personalidade?
De forma resumida, personalidade é aquilo que torna cada pessoa numa pessoa diferente de todas as outras.
A forma como a personalidade se estabelece depende de muitos fatores, como fatores biológicos e genéticos que não conseguimos controlar, mas que interferem na forma como pensamos e sentimos as situações e, logo, a maneira como agimos. Depende também de fatores do desenvolvimento da pessoa na infância, fatores esses que ajudam a formar a ideia do mundo e das coisas que a pessoa tem e que vão influenciar a forma como olha para o que lhe acontece ao longo da vida. O ambiente em que a pessoa vive (social, econômico, cultural) também contribui de forma decisiva para a formação da personalidade.
Assim, é a forma como se harmonizam estes fatores — biológicos, genéticos, do desenvolvimento e do meio em que a pessoa cresce e vive — que vão determinar os comportamentos que a pessoa tem, os seus pensamentos e a forma como pensa as situações, e os sentimentos que tem pelas pessoas, coisas, situações ou memórias.
Tudo isto forma a personalidade da pessoa e a faz ser uma pessoa distinta das outras e é a personalidade que permite à pessoa adaptar-se às múltiplas situações da vida.
O que são as perturbações da personalidade?
O diagnóstico de perturbação da personalidade pode estabelecer-se quando uma pessoa, ao longo da sua vida, mantém um comportamento pouco flexível perante as diferentes situações da vida, o que faz com que tenha dificuldade em adaptar-se, causando sofrimento a si própria e àqueles com quem convive — sejam as situações habituais ou novas, pessoais/familiares ou sociais ou do trabalho.
Esses padrões de comportamentos, quando comparados com o que é habitual nas pessoas do mesmo meio social e cultural, são desvios extremos e importantes da forma como a pessoa percebe, pensa e sente as situações e se relaciona com os outros. É isso que lhes traz dificuldades ao longo da vida, pela incapacidade em se adaptar às pessoas e situações, o que causa sofrimento e dificuldades.
As perturbações da personalidade são frequentes?
Os estudos apontam para que cerca de uma em cada dez pessoas sofra de uma perturbação da personalidade. Contudo, este é um número geral que engloba todos os tipos de perturbação da personalidade.
Que tipos de perturbações da personalidade existem?
Segundo um dos sistemas de classificação de perturbações mentais mais amplamente utilizados a nível mundial — o DSM-5 — podemos dividir as perturbações da personalidade em 3 grandes grupos a que chamamos clusters. Apresentamos, de forma resumida, as suas principais características:
Perturbações da personalidade Cluster A (bizarro/excêntrico)
• Paranoide: pessoas com tendência para desconfiar das outras, a ter comportamentos querelantes (p. ex., fazer muitas queixas na polícia, ter muitos processos em tribunal), hostis e reivindicativos, e a interpretar as coisas como sendo sempre contra si. Por serem desconfiadas, têm dificuldade em confiar noutras pessoas e em investir numa relação afetiva. Muitas vezes estas pessoas são imprevisíveis e podem chegar a reagir de forma violenta (verbal ou até fisicamente), confrontando os outros com aquilo que sentem ser «uma perseguição» de uma qualquer espécie;
• Esquizoide: pessoas com uma grande dificuldade em expressar-se emocionalmente ou em compreender situações sociais, pelo que se tornam frias ou distantes (p. ex., têm dificuldade em sorrir socialmente) e pouco espontâneas. Tudo isso, leva a que invistam pouco em estar com os outros e a centrarem-se em atividades solitárias (p. ex., informática, matemática, jogos de computador), a terem pouco interesse no efeito que possam causar nos outros ou naquilo que os outros pensem sobre elas, a ter pouco desejo de ter relações de intimidade e de ter amigos (muitas vezes, podem ter um familiar ou amigo de quem são mais próximos, mas não costumam assumir a função de confidente);
• Esquizotípica: é considerada uma perturbação da personalidade próxima da esquizofrenia. São pessoas com aparência excêntrica e comportamento considerado estranho e que frequentemente têm uma forma de falar imprecisa, pseudointelectual ou demasiado abstrata (ainda que o discurso seja organizado), e crenças pouco habituais com tendência ao esoterismo ou ao pensamento mágico. Apresentam uma fraca capacidade de ler sinais sociais e é frequente expressarem-se de modo que os outros consideram desadequado à situação. Por tudo isto, são desconfiados e ansiosos na relação com os outros, preferindo envolver-se em atividades solitárias.
Perturbações da personalidade Cluster B (teatral/emotivo/errático)
• Antissocial: está historicamente ligada à ideia de psicopatia, isto é, àqueles a quem se chamam psicopatas. São pessoas que têm um comportamento que revela desrespeito pelas regras e pelos direitos dos outros, e que se envolvem em comportamentos de risco, de agressividade e de delinquência (acidentes, homicídios, abuso sexual, etc.) dada a sua incapacidade para travar os seus impulsos, em antecipar as consequências negativas dos seus atos e em controlar a sua irritabilidade quando não veem os seus desejos satisfeitos. São pessoas cínicas, imorais, superficialmente sedutoras, manipuladoras e apenas aparentemente agradáveis, usando essas características para obter vantagens dos outros com quem não desejam envolver-se emocionalmente de forma verdadeira. Estas pessoas não compreendem o sofrimento que causam nos outros e tiram prazer dos seus atos;
• Borderline: são pessoas emocionalmente muito instáveis, reagindo com grande irritabilidade ou raiva às situações, e que oscilam muito rapidamente entre a tristeza e a alegria, a irritabilidade ou a calma. A forma como pensam e sentem as coisas e as pessoas é «a preto e branco», isto é, tão depressa tudo pode ser fantástico e maravilhoso, como tudo pode ser a pior coisa de sempre; tão depressa uma pessoa pode ser admirável como pode ser uma malfeitora. Por isso, têm muita dificuldade em estabelecer relações saudáveis, não aceitando pequenas críticas e sendo frequentemente conflituosas. Isto habitualmente leva a separações e perdas que depois têm dificuldade em aceitar, sentindo-se desprezadas e abandonadas, o que lhes causa muito sofrimento. São pessoas habitualmente irritáveis e que se sentem vazias, entediadas e tristes, muito embora tenham períodos em que, pelo contrário, se consideram inigualáveis. Apresentam frequentemente comportamentos autolesivos (p. ex., cortes superficiais nos braços ou pernas) que as fazem se sentir temporariamente menos angustiadas, como se uma dor física aliviasse o sofrimento psíquico;
• Histriônica: pessoas com manifestações emocionais excessivas e grande necessidade de atenção, sentindo-se mal quando não são o centro das atenções ou consideram não ser suficientemente amadas pelos outros. Para o conseguir, usam comportamentos provocadores e sedutores, utilizando o seu aspecto físico e tentando revelar conhecimentos elevados ou realizar façanhas vistas pelos outros como elogiáveis. São, por isso, pessoas teatrais (gestos exagerados, risos, etc.), mas também muito influenciáveis pela opinião dos outros a quem têm o desejo de agradar, mesmo que sejam quase meros desconhecidos. Apesar disso, têm dificuldade em manter relações de verdadeira proximidade, tendendo a «fugir» quando os outros tentam se aproximar;
• Narcísica: pessoas com uma ideia engrandecida delas próprias (como se fossem melhores que os demais) e com uma grande necessidade de serem admiradas. Preocupam-se com elas próprias e são ambiciosas, utilizando diferentes meios para atingir os seus fins de reconhecimento social e profissional, tendo habitualmente grande capacidade de trabalho. Tendem à manipulação e à exploração dos outros em seu proveito, e a serem pouco tolerantes à crítica ou ao fracasso, podendo sentir-se inferiorizadas e ficarem irritadas quando tal acontece. Apesar disso, são, por regra, pessoas com uma capacidade de adaptação satisfatória.
Cluster C (ansioso)
• Evitante: são pessoas reservadas, tímidas, com medo da rejeição, muito sensíveis à crítica e com baixa autoestima. Por receio de serem julgadas negativamente pelos outros evitam situações em que possam ser julgadas ou considerar não estar à altura e, assim, acabam por estar isoladas socialmente. Por regra, atenua-se com a idade;
• Dependente: são pessoas com uma importante falta de confiança em si próprias, que se autoavaliam negativamente e que têm dificuldade em funcionar de forma autônoma, isto é, em tomar iniciativa ou em fazer escolhas, procurando sempre a aprovação e apoio dos outros na tomada de decisões ou, se possível, transferindo essa responsabilidade para outra pessoa;
• Obsessivo-compulsiva: são pessoas perfeccionistas, tenazes, com grande sentido de responsabilidade, preocupadas com a ordem e o controle pessoal das suas emoções e das situações, cujo pensamento e comportamento são tendencialmente rígidos, emocionalmente controlados e pouco espontâneos, tendo, por isso, baixa capacidade de adaptação perante situações imprevistas ou que possam sentir que fogem ao seu controle. Por isso, têm muita dificuldade em delegar trabalho ou responsabilidades aos outros ou em compreender pontos de vistas diferentes dos seus, o que, muitas vezes, pode provocar conflitos com a família, no trabalho ou com os amigos. Essa rigidez emocional e comportamental pode agravar-se com a idade e prejudicar as suas relações.
Será que tenho uma perturbação da personalidade?
Evidentemente, todos nós podemos apresentar traços (isto é, caraterísticas) da personalidade com que nos identificamos, sem que tal signifique que tenhamos uma perturbação da personalidade. Para tal, é sempre necessário que esses traços diminuam o nosso desempenho em diversas situações ou prejudiquem a nossa relação com os outros.
Na maior parte das vezes, esses traços são até benéficos para nós. Por exemplo, quem quererá um contabilista que não tenha traços obsessivos, ditos perfeccionistas, da personalidade que o ajudem a não deixar escapar nenhum número importante?
Como se tratam as perturbações da personalidade?
Do ponto de vista terapêutico, as perturbações da personalidade não têm indicação formal para receber tratamento farmacológico, podendo os fármacos serem usados pontualmente no alívio de alguns sintomas, embora, frequentemente, com pouca eficácia demonstrada.
Contudo, qualquer uma destas perturbações pode se beneficiar de forma muito evidente de intervenções psicoterapêuticas, habitualmente realizadas por psicólogos, sendo esta abordagem o tratamento de referência, quando tem indicação.
O que posso fazer se me parecer ter uma perturbação da personalidade?
Caso apresente características que lhe pareçam enquadrar-se numa das perturbações da personalidade descritas e as sinta como negativas, ou as identifique num familiar ou amigo, não hesite em procurar esclarecimento e ajuda profissional. A Clínica Jequitibá Saúde Mental tem profissionais experientes e aptos para fazer uma primeira avaliação e dar o encaminhamento devido caso este se justifique.
A indicação e/ou justificação clínica deve ser avaliada em conjunto com o profissional, uma vez que em algumas situações uma intervenção psicoterapêutica não está indicada sob risco de agravar os próprios traços e/ou comportamentos. Por isso, agende um horário com um de nossos profissionais.